Bright Innocence

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Lar doce Lar - Capítulo I

O Sol acordava no final da rua de asfalto cru. O “tec-tec” dos sapatos de salto alto que se debatiam contra o par acompanhava o barulho das janelas sendo abertas. Com o rimel borrado, a maquiagem rala e o batom quase apático, ela se movia com sofreguidão, tentando ignorar os raios solares que começavam a perturbá-la com tanto calor e luz. O vestido preto se embolava na altura de suas coxas, e a meia-calça se rasgara por completo, pelo que ela podia ver. O cabelo desgrenhado, cheio de nós e preso no alto da cabeça balançavam conforme o rebolar – agora fraco. E o cheiro de álcool e sujeira impregnava em sua pele.
O que mais desejava era a sua cama. Sua cama quente, em seu quarto imundo, em seu universo paralelo. Também desejava um par de chinelos. Mas esse desejo era patético.
Um zumbido irritante continuava a adentrar por seus ouvidos. Aquele chiado chato, comparado com o de uma mosca, estava iniciando uma dor de cabeça. E ela sempre tentava se lembrar de ficar um pouco mais longe das caixas de som... Porém se esquecia fácil do que prometia para si mesma.
Amanhã começo a dieta, amanhã estudo álgebra, amanhã faço isso, amanhã faço aquilo.
Ah, enquanto o amanhã estivesse longe, ela se divertiria.
A vida era uma festa, algum filósofo drogado recitou, então porque ela não poderia se divertir um pouco?
Os cheiros de panquecas e de mel circulavam pelo ar. Os pequenos sobrados agrupados um sobre o outro praticamente ganhavam vida. Escutava algumas vozes, alguns murmúrios e o arrastar de cadeiras. Que hora deveria ser? Lembrava-se de ter perdido o relógio em algum canto de seu próprio quarto e não estava disposta a procurá-lo. Era bom viver sem depender – ou saber – das horas.
Não tendo noção do tempo, ela chegava a acreditar que tinha mais tempo... E também tinha uma ótima desculpa para os seus constantes atrasos.
Seu pai já deveria estar acordado. Não comendo panquecas, mas deveria estar acordado. Em que dia da semana se encontrava? Segunda? Ela rezou em silêncio para que não fosse. Lembrava-se vagamente de que teria algum teste na segunda e não fazia a menor idéia de qual matéria – ou o que cairia – na tal prova. Também não gostava de agendas.
Deu de ombros, jogando as sandálias no jardim de sua casa e abrindo a porteira, fazendo questão de pisar na grama molhada para amaciar um pouco a sola de seus pés.
Lar doce lar, anunciava o tapete da porta de entrada. Inferno, amargo inferno, seria o certo.
Por cima do tapete alguns envelopes estavam jogados de forma bagunçada, e Dulce abaixou para pegá-los. Deveriam ser contas atrasadas, como sempre.
Entrou em casa, acostumando outra vez com a visão do escuro. Ela precisava abrir as janelas para sair àquela poeira acumulada de alguns meses sem faxina, pois o pó lhe dava uma irritação imediata na ponta do nariz. Quem sabe passasse um pano nos móveis outra hora?
— Marina? — a voz de seu pai saiu da cozinha e o cheiro de café ralo entornou o seu nariz. — Você está em casa?
— Sim, papai — respondeu, caminhando até a porta do cômodo.

Avistou o pai sentado na mesa, comendo uma torrada e tomando a água negra. A barba mal feita, o cabelo despenteado e a mesma expressão de dar dó...

If everyone cared and nobody cried
Se todos se preocupassem e ninguém chorasse
If everyone loved and nobody lied
Se todos amassem e ninguém mentisse
If everyone shared and swallowed their pride
Se todos compartilhassem e engolissem o orgulho
We'd see the day when nobody died
Nós veríamos o dia que ninguém morreria


(If Everyone Cared - Nickelback)


Trilha Sonora: @_naticolchoc
Autora do primeiro capítulo: @juvieirasays

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